A fina dama

A fina dama
Fernanda Takai - a fina dama da mpb

domingo, 31 de julho de 2011

Personagem

Faz tempo que vi teu riso, Helena
Não sei para onde foi
Em qual estação se encontra
Mas ainda o vejo no sol das noites
Com você, Helena, é assim
O sol radia a meia noite
Pois com você não há luar ou frio
Aquelas argolas nas orelhas
A tatuagem no pescoço
A correria pro trabalho
Os cabelos presos
Você sempre achava tudo engraçado
Sinto falta de você espantando o meu tédio
Trazendo e levando o tempo
Correndo, caindo, voando
Helena, mulher sorriso
Batom vermelho, bolsa azul
Vento que leva, brisa que traz
Sentidos e sentimentos guardados
Ressentimentos mal ditos
Helena vive, vive
Assim, sem medo e sem tempo

Anglebson Barros


quarta-feira, 23 de março de 2011

Vida modigliani

Marginalidade, arte, desastre, dramaticidade
De tudo que se foi
Foi a parte mais dolorida, a arte
De tudo o que restou, a marginalidade
Na tela inquieta, a dramaticidade
Quase ninguém viu
Quase ninguém o aplaudiu
Quase ninguém soube se apaixonar
Mas havia alguém que viu
Houve alguém que se aproximou
Alguém que teve sua alma lida
Lida e pintada num quadro
Não foi apenas uma aventura
Aquilo foi arte transcendente
Sem nexo
Sem muitos sentidos
E foi desastre num final infeliz
Assim, na marginalidade
Embora fosse bem mais nobre
Bem mais apaixonado pela vida

segunda-feira, 7 de março de 2011

CONVERSA CIVILIZADA COM SEU APOLINÁRIO

            Um dia desses estava na fila do banco e na minha frente havia um senhor de certa idade que dizia ser de família austríaca, que havia participado da Segunda Guerra engrossando as fileiras do exército nazista, embora ele jurasse ser totalmente contra as ideias racistas que sustentava o füher.
            No desenrolar da conversa, que não foi tão longa, ele derramou quase toda a sua vida, menos sua idade e seu sobrenome. Além de soldado na Segunda Guerra, o senhor Apolinário disse ter sido técnico da seleção russa de futebol, ter se casado a primeira vez com uma japonesa e comprado várias peças de tecidos de um turco que possuía um pequeno comércio no centro de Recife. Além disso, já foi crente no islamismo, depois virou ateu e agora simpatiza com uma filosofia indiana, que prega aos seus seguidores a purificação do Rio Ganges, assim poderiam entrar nele, se purificarem de seus pecados e alcançarem uma vida eterna em algum lugar que ele ainda não sabia descrever ao certo.
            Nessa altura da conversa, seu Apolinário se exaltou e falou num tom áspero com o dedo indicador erguido:
         -Esse é que é lugar, não um lugar tão atrasado como essa cidade que moramos, e melhor que isso: será uma eternidade! Naquele instante a eternidade parecia ter chegado naquela fila, seu Apolinário estava com sua face já avermelhada, e completou:
        -Já andei em muitos lugares nesse mundo, falo três idiomas e estou quase dominando outro de um país árabe... acho que o Afeganistão. Já tive mais de cem mulheres, já fui deputado, ministro e quase prefeito da cidade de Passo Bento nas Alagoas, e lhe digo: medimos o grau de civilidade de um povo pela quantidade de lombadas que existem nas ruas! Aqui tem um a cada cinquenta metros.
Fiquei sem entender naquele momento a relação que seu Apolinário fazia das lombadas com o desenvolvimento humano de uma cidade. Talvez lombadas minimizem selvagerias humanas do tipo atropelamentos, colisões de automóveis de motoristas pilotando em alta velocidade... Nesse instante de segundos dos meus pensamentos, chegou à vez do seu Apolinário ser atendido pelo caixa do banco.
Continuei na fila, um tanto confuso tentando interpretar o pensamento do seu Apolinário em relação às lombadas e a civilização. Imaginei um monte de hipóteses, cocei a cabeça, me formigaram os pés, me angustiei sem saber ao certo porque estava tão angustiado; poderia esquecer aquela conversa, poderia não ter dado importância alguma, mas na minha cidade existem várias lombadas pelas quais eu passo quase todos os dias para ir ao mercado, para deixar as crianças na escola e quando estou apressado pro trabalho. Quando minha esposa foi ganhar neném quase consegui fazer o carro voar e ela dar a luz ali mesmo, pois passei por uma dessas lombadas sem me dar conta. Agora seu Apolinário parecia me fazer entender ou me confundir ainda mais, pois não me lembro de ter tentado interpretar as lombadas, mas apenas tê-las considerado como necessárias. Necessárias pra que?! Para um processo civilizatório? Ou apenas para fundamentar os pensamentos de pessoas como seu Apolinário!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Cântico dos laços


És matéria, como sou
Da mesma matéria que és
Que dessa massa emergem conflitos
Dos labirintos por onde o tempo nos leva
Já te injuriei, hoje não o faço
E fui por ti jurado
Mas te vi chorar ao me ver num circuito de dor
Sei que era por amor
Fechei os olhos e fingi estar dormindo
Pensei que não existisse tal fraqueza
Não me decepcionei
Pois sou da mesma massa
Também fraquejo e choro
Queria tanto você e a rainha numa pessoa
que nem sempre víamos
Prantos foram derramados por esse desejo inerte
súplicas a Deus levantadas
Ah, meu querido velho
Depois de tanto tempo do meu natal
me provocas um forte amor por ti
tão grande como o pranto em que te vi
Caminhas lentamente em busca de tua fé, de um milagre
Saibas que aprendi contigo
muito do que tenho e sou
só fui tolo em resistir e ver isso
Da massa que tenho, tenho-a em ti
E agora, não te desconjuro
não tenho mais tempo nem idade pra isso
senão, para conhecer-te mais
Foi este estorvo que trazes
que me fez suplicar a Deus
por nosso afeto e nossas vidas
Olho para ti e me vejo
Dói ver minha massa amassada
Por algo que, se pudesse, arrancaria de ti
Mas, meu velho, o que dizer?
Somos massa de Deus
Ele sabe o que será
Essa é nossa conciliação
A prova da nossa aliança
Tudo que não entendia
se esclarece agora
eu paro no tempo pra fugir
mas também celebrar a vida e a Deus
que te fez e, te marcando, mexe conosco, nos inquieta
Voltas a ser uma criança
na qual me reconheço
e em parte desejo sê-la
Tempo feroz que não para
Deixa meu velho, eu paro
e ajoelho-me diante de ti, do teu sofrimento
para ver-te um herói
que errou muito, e acertou também
Nessa massa da qual saímos
a força que tinhas se dobra em mim
para dizer-te o que já me disseste timidamente
Amo-te, meu velho
Nesse estorvo parece está essa cura de nós
a maravilha do afeto de nossa casa.


Ao meu pai.

Anglebson Barros da Silva – setembro 2008

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Vida e rosa

A rosa que desabrocha
 
Os pés que calçam



Os espinhos que despontam



Os defeitos que se desenvolvem



A vaidade das pétalas



O orgulho de possuir algo, ou alguém



O tempo que não pára



Murcham as pétalas



Transparecem as rugas e os cabelos brancos



Seca-se e...



Envelhece-se e...



Morrem.


Anglebson Barros 01/01/11

AULA PARA SE ENSINAR A VIVER

Trabalhar é muito difícil
E pior que isso é se jogar de um edifício
Dificilmente sabemos de alguém que queira realizar esta última ação
Não há qualquer possibilidade de se fazer as duas ações de uma só vez
Ou trabalha, ou se joga
Difícil ofício de edificar edifícios
Da vida voraz
Da luta que não cessa
Do erro da letra da música
Da voz rouca das angústias
Dos nossos pedaços que a morte leva
Do que o tempo muda

Minha professora de Matemática costumava dizer
Que embora viver de amor seja muito dolorido
E morrer de amor não seja tão difícil
Sempre preferimos seguir vivendo
Sem fazermos planos de nos jogar de um edifício
Ela costumava mostrar isso nas aulas de Geometria
Traçando linhas para os lados, para cima e para baixo
Sempre tentando nos convencer a vivermos
Estudar sempre dar, vez por outra, uma vontade fugaz de se matar
Acho que ela tinha a noção exata disso
Pois era matemática, sabia um pouco sobre edifícios

Lembro das aulas e imagino os ofícios
Todos, ou quase todos, passam pela sala de aula
Ou escolhem um, entre muito ofícios
Ou se matam dos edifícios
Ou se perdem na Matemática
Eu não me perdi
Mas me confundi nas muitas linhas
E me achei algumas vezes no viés dos meus passos
Agora vivo
E minha função de viver é difícil
Inadequadamente faço nela construções
Que se reconstroem
Se desmancham
E assim faço os meus sentidos
E se me perco neles
Logo busco ou faço outros edifícios

Anglebson Barros – 17/12/2010